sábado, 2 de abril de 2016

Um golpe consciente


Por Ricardo Vagnotti Neto, tradutor, dramaturgo e educador

O movimento pró-impeachment não é manipulado. Ele é consciente. É consciente porque não é possível que um indivíduo em suas plenas capacidades cognitivas não consiga enxergar que a questão da corrupção não esteja relacionada apenas a um partido ou figura política. É impossível que um indivíduo em suas plenas capacidades intelectuais não consiga perceber que a corrupção acontece em conluio absoluto e irrestrito com a iniciativa privada. É questão de matemática: o dinheiro desviado vem de algum lugar.

Se a luta é contra a corrupção, o que as "pessoas de bem" estão fazendo nas ruas? Marcham em nome de um movimento descaradamente patrocinado pelos donos dos meios de produção (FIESP, GLOBO, etc.) que pagam impostos de valores relativos ínfimos, estão envolvidos até o pescoço em esquemas de corrupção e não dão retorno algum à sociedade? Se a questão é a corrupção, as pessoas deveriam ter vergonha de sair com a camiseta da instituição mais corrupta de todas, a tal da CBF. Se o movimento é contra a corrupção, qual a lógica de se apoiar a destituição de uma presidenta eleita legitimamente para a subida de canalhas ao poder, corruptos até o osso? Se o impeachment é por um Brasil melhor, temos que estar atentos (e fortes), como diria Caetano Veloso. Atentos ao nosso redor. Atentos ao neo-nazismo descarado de Bolsonaro, à desfaçatez de Aécio, de FHC-sociólogo de araque, à mediocridade imbecilizante de um Kim Kataguiri, ao golpismo barato e canalha de Temer e Cunha.

Mas o movimento pró-impeachment não se atenta a nenhuma dessas questões porque não lhe interessa, pois o que importa aos "manifestantes" é a relação maso-fetichista com os donos dos meios de produção, que desde sempre os exploram, mas são, na essência, tudo aquilo que eles gostariam de ser. Sim, os "manifestantes" são também oprimidos. Mas eles precisam marchar a favor dos opressores para se manter como oprimidos porque esse esquema permite-lhes ter, abaixo deles, uma maioria de outros oprimidos (de cor de pele evidentemente mais escura), de forma que se afirmam também como opressores. O pato, servido nos jantares dos detentores dos meios de produção, é pago por todos. E eles querem comer a cabeça de cada patinho que nada de verde-amarelo no asfalto da avenida Paulista.

Não há manipulação.

O que há é a ode irrestrita e incondicional ao capital e à violência, a qual sempre permeou a sociedade brasileira. O que há é o medo de que o feminino tome conta do país. Não falo de gênero. Falo do frágil. Com perdão do trocadilho, falo do feminino em oposição e em submissão ao falo opressor. Falo do feminino que é, simbolicamente, os habitantes das favelas e das periferias, os negros, os travestis, os pobres, os gays, as mulheres. Os que são diariamente massacrados.

Não é por acaso que a tentativa de impedimento é de uma presidenta. Não é por acaso que o partido demonizado é o que, querendo ou não, criou condições para que negros e pobres consumissem as mesmas coisas que a elite consome. A elite passou também a fazer parte de uma grande massa de consumidores e, de repente, todos - dos mais pobres aos mais ricos, dos mais negros aos mais brancos - submissos ao capital.

Bem ou mal, em prestações ou não, o mercado é de todos.
A elite está apavorada.
A elite está em pânico.
A elite vai para Paris e corre o risco de passar 11 horas de viagem ao lado de um negro (brasileiro, é importante ressaltar, pois, se for de outro país, há acordo).
Não é questão de manipulação ou inocência.
Trata-se da necessidade da elite de manter uma massa de miseráveis de pé (com o mínimo de comida e condições humanas) para se sentir exclusiva e a única merecedora dos benefícios do capital.
Não é questão de manipulação.
É questão de manutenção do poder simbólico, mas sem respaldo legal.
É consciente.
É GOLPE.



Nenhum comentário:

Postar um comentário